
Se essa pergunta passou pela sua cabeça, provavelmente deve ter imaginado que a resposta da mesma seria o rato (Rattus norvegicus) ou o camundongo (Mus musculus), que são extremamente utilizados em experimentos de fisiologia e testes de medicamentos. Porém, o animal mais bem estudado não é muito bem conhecido pela população, ou pelo menos o seu grupo não tem uma fama muito boa, os nematodas.

Caso não se lembre das aulas de biologia, esse é um filo que é popularmente conhecido pelas lombrigas. Sim, aqueles vermes de barriga que quase todo mundo teve quando era criança. Não precisa ficar confuso e se perguntar o motivo de parasitas de intestino terem esse título porque o pensamento não é bem esse. Na verdade, esse mérito vai para o nematóide Caenorhabditis elegans, que apesar de estar no mesmo filo das lombrigas, são animais de vida livre e um dos mais importantes organismos modelo.
Mas por que um nematóide se tornou um organismo modelo?
O filo nematoda possui uma diversidade impressionante de espécies e com diferentes aspectos da sua biologia. Principalmente, por terem vermes de vida livre, parasita de animais e também de plantas, muitas vezes sendo extremamente adaptado a um ambiente especifico. Apesar da espécie Ascaris suum ser um modelo de estudo para estudos médicos, não se convém a ser um bom modelo para estudos mais gerais.
A história do C. elegans na ciência começou através de Sydney Brenner, em torno de 1962. Brenner era um Sul-Africano com o PhD na Universidade de Oxford em Biologia Molecular, trabalhava junto com Francis Crick no Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology em Cambridge. Eles acreditavam que era necessário ter um crescimento de estudos em desenvolvimento celular e sistema nervoso. Apesar disso, a maioria dos pesquisadores não apoiavam e afirmavam que fugia muito do foco do laboratório. Brenner insistiu em sua ideia e submeteu uma proposta em outubro de 1963 e foi aceita.

Nessa proposta, ele descrevia o nematóide Caenorhabditis briggsae como um possível potencial de estudo para desenvolvimento de processos multicelulares. Tardiamente, foi mudado para C. elegans. Sua justificativa era de que os estudos de genética molecular foram bem-sucedidos devido aos organismos como bactérias ou vírus eram extremamente simples. Porém são limitados por terem quase nenhum (ou reduzido) desenvolvimento celular, por isso era mais adequado usar um organismo multicelular, com o ciclo de vida curto e fácil manuseio e cultivo em laboratório. Assim poderia se estudar poucas células, linhagens e fenótipos.
O seu primeiro trabalho com C. elegans foi publicado em 1974 (The Genetics of Caenorhabditis elegans). Isso atraiu diversos estudantes a trabalharem com Brenner e que voltaram em seus laboratórios e em sequências seus estudantes, elevando o número de pesquisadores e publicações com C. elegans. Em 1988 aconteceu a primeira conferencia C. elegans com 75 cientistas, discutindo o futuro das pesquisas utilizando o nematóide como modelo. Hoje este evento é bianual e já conta com mais de 2 mil participantes.

Inicialmente o foco de estudos com C. elegans era no desenvolvimento nervoso, mas agora também é utilizado em outros campos como morfologia, genética, biologia experimental e entre outros. Seus estudos foram tão importantes que diversas pessoas já foram premiadas com o Nobel, como Sydney Brenner, Howard Robert Horvitz e John Sulston em 2002 (Fisiologia e Medicina) pelos trabalhos de desenvolvimento genético de órgãos e apoptose (morte celular programada), os trabalhos foram tão minuciosos que todas as células embrionárias foram mapeadas. Andrew Fire e Craig Cameron Mello em 2006 (Fisiologia e Medicina) pela descoberta do mecanismo de RNAi (RNA de interferência) e em 2008 por Martin Chalfie (Química) pelo trabalho com a proteína verde fluorescente (GFP).
Além de todos esses importantes trabalhos que facilitam mais estudos, a C. elegans basicamente é um organismo muito simples pelo seu curto ciclo de vida, fácil manuseio, cultivo em altas densidades e podem ser armazenados em nitrogênio líquido. Por isso as propriedades desse verme são muito atrativas para pesquisadores e para professores em suas aulas de biologia e química.
Importância em outras áreas
Os nematoides, apesar de microscópicos, são fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas. Sua diversidade funcional os posiciona em múltiplos níveis tróficos, atuando como reguladores da cadeia alimentar do solo e facilitadores da ciclagem de nutrientes. Ao se alimentarem de microrganismos como bactérias e fungos, liberam nutrientes essenciais como nitrogênio e fósforo, promovendo a fertilidade e produtividade dos solos. Além disso, sua sensibilidade a fatores ambientais os torna excelentes bioindicadores da saúde do solo, permitindo avaliar impactos de poluentes, mudanças climáticas e práticas agrícolas.
Na agricultura, no entanto, certos nematoides fitoparasitas representam uma ameaça crítica, causando prejuízos bilionários à produção global, inclusive no Brasil. Espécies como Meloidogyne spp., Pratylenchus spp. e Heterodera glycines causam galhas, lesões e comprometimento do sistema radicular, dificultando a absorção de nutrientes e favorecendo infecções secundárias. Seu manejo demanda estratégias integradas — químicas, biológicas, culturais e varietais — que priorizem a convivência com populações abaixo do limiar de dano econômico, em vez da erradicação.
No campo da saúde pública, os nematoides parasitas humanos são responsáveis por doenças tropicais negligenciadas, como ancilostomíase, ascaridíase, estrongiloidíase, oncocercose e filariose linfática. Essas infecções afetam milhões de pessoas em contextos de vulnerabilidade social, causando anemia, desnutrição, cegueira e elefantíase. O controle eficaz dessas enfermidades requer investimentos em saneamento básico, educação sanitária, controle de vetores e programas de administração em massa de medicamentos (MDA), sempre integrando medidas sociais, ambientais e farmacológicas.
Assim, os nematoides evidenciam a necessidade de uma abordagem científica transversal. A pesquisa em nematologia, abrangendo desde a biologia molecular e a ecologia de populações até o desenvolvimento de novas estratégias de controle (biológico, químico, cultural, vacinal e de saneamento), é um pilar insubstituível para mitigar os impactos negativos e, ao mesmo tempo, aproveitar o potencial dos nematoides benéficos. A colaboração interdisciplinar – envolvendo agronomia, medicina, ecologia, biotecnologia e outras áreas – é essencial para enfrentar esses desafios complexos e um conhecimento científico profundo.
Referências e mais informações:
Wood, W.B. 1988. The Nematode Caenorhabditis elegans. Cold Spring Harbor Laboratory Press.